sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Poliedra – Parte I (3)

Não. Conscientemente, não.

Polly nunca poderia desejar a quem quer que fosse uma relação como a que tinha com a Mãe.
Não era por mal, mas não sabia lidar com toda a admiração que sentia por ela: aqueles olhos, os cabelos negros brilhantes… A figura – invejável, sim! – de diva, de femme fatale, na forma como segurava a boquilha entre dedos e a levava àqueles lábios carnudos e sempre de um vermelho sensual.

O pior de tudo era a desilusão que a inteligência da Mãe lhe provocava...

Como?, como é que uma mulher como ela se tinha ido esconder do mundo ali? Justamente ali, no meio do nada?

Como é que uma mulher que podia ter o mundo na palma da mão e soprá-lo para onde bem entendesse, foi capaz de abdicar do exercício de todo o seu poder de sedução e esconder-se ali, naquela terra, no meio daquela gente?

«Poliedra, sabe quem eu sou, na verdade?», questionava a Mãe sempre que a apanhava, absorta, a seguir-lhe todos os gestos com o olhar.

«Mãe?», dizia para ganhar tempo.
Tempo suficiente para recuperar do efeito inebriante que era olhar aquela mulher… a sua Mãe. Se ao menos tivesse a certeza de que iria ter metade daquele glamour quando crescesse….

«Poliedra, ouviu o que lhe perguntei?», insistia.

«Desculpe, Mãe, estava a admirar a cor do seu vestido…». E notava uma súbita melancolia inundar o olhar da Mãe.

Pestana a pestana, aqueles olhos, lindos, castanhos, dourados, mergulhavam em memórias inacessíveis. Mergulhavam tão fundo que Polly pressentia a Mãe a afogar-se…

«Mãe, não percebo onde quer chegar com essa pergunta…»

«Sabe quem sou para além do que vê? Sabe que venho destas pessoas que tanto abomina?»

Então era isso.
Quase que o esquecia.
Ao olhar-se para ela, ninguém diria.
A Mãe era filha da Serra.

Isso deixava-a muito confiante. Fazia-a acreditar que, também ela, poderia vir a ter aquela aura, aquela presença que a todos influencia… mas que, no seu caso, só cativava o seu próprio Pai.

Polly precisava de ter a certeza que, no futuro, seria 100% filha de sua Mãe.
Contudo, o papel de Polly nesse destino, foi apenas o de uma ponte entre gerações…

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