quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Poliedra - Parte I

“Só gostava de saber quem foi o patifório que subornaram para poderem registar-me com este nome!!!!”, berrava ela a plenos pulmões, vezes e vezes sem conta, sempre do cimo daquela dupla escadaria.
Mas não era só disso que gostava: também gostava que todos – TODOS sem excepção – soubessem que considerava o seu nome próprio uma perfeita aberração!

Poliedra.

“Ninguém se chama Poliedra!”

Quanto muito Poliedro, mas teve a sina de nascer rapariga, e a mãe, mulher de fortes convicções, - ou deverei antes dizer…. Teimosa!?! – não se deu sequer ao trabalho de escolher outro nome. Afinal, era assim mesmo que ela imaginava o seu rebento: um ser de carácter sólido, cuja superfície, composta por um número finito de faces, ela conheceria como ninguém.

Mas, ao invés disso, veio ela.

Poliedra.

Ou Polly, como o pai a tratava e como ela obrigava todos a tratarem-na.
Todos, menos a mãe, claro está.

Esta sua raiva – muito pouco contida, diga-se - vinha dos seus tempos de meninice, da cantilena com que os outros miúdos a perseguiam desde que o Sol nascia até que as estrelas começavam a assomar no negro azulado do céu:

«Polly, Poliedra / escura e feia como a pedra /
Polly, Poliedra / junto dela o mal medra»

Polly conhecia muitas pedras. Viver no meio da Serra não lhe dava muito mais para contemplar. Sabia-as de cor: onde estavam, quais as suas cores na madrugada, ao nascer do sol, ao meio-dia e ao pôr-do-sol.
Quando estava cansada, ao invés de as visitar, deitava-se na sua cama, recordava-as uma a uma, e imaginava com o que se assemelhavam: animais, pessoas, seres mitológicos…

Por isso, quando se olhava ao espelho, não compreendia as duras palavras da ladainha: não conhecia nenhuma pedra feia e ela, Polly, não era escura… Bom, talvez o fosse a sua alma, mas, naquela idade, Poliedra ainda estava muito longe de o saber, ainda que a pequena melodia o já adivinhasse.

(continua)

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1 Comentários:

Blogger Paula disse...

Estás uma Agatha Christie de primeira!
Muito mistério!
E que fórmula matemática resolverá este problema?!
Bjs!

24 de janeiro de 2008 às 13:54  

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